quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Objects may look closer...


Era meio dia ainda, eu estava num prédio estilhaçado pelos bombardeios, em meio a entulhos, lixo, corpos, corpos de meus compatriotas, de meus irmãos e irmãs, que dividiam comigo o dia a dia, fomos pegos de surpresa, não era estranho pelo escopo de minha arma eu ver corpos de crianças entre os tantos que no chão agora jaziam, mães abraçando seus bebês, corpos parcialmente queimados com o rosto retratando apenas o horror de seus últimos minutos, meu pelotão estava lotado no quartel naquele dia, belo dia de Sol como este, mas entre as núvens não havia a poeira como hoje, a luz do dia queimava nosso rosto como em um dia qualquer daqueles onde você iria a praia sem medo, não me entenda mal, não sou militar, meu pelotão não têm patentes e minha luta não é por uma causa nobre...

Eu sou um cidadão comum, como você individualista, numa batalha constante neste campo onde não existem mais heróis, onde pela nossa mira enxergamos as barbáries mais atrozes possíveis e mesmo assim não fazemos nada a não ser nos protegermos, ou fingirmos que a guerra não acontece, fechamos nossos olhos todos os dias nos estreitando a devaneios, sonhos e fantasias vãs renegando a real e única verdade, estamos todos sozinhos e gostamos disso, toda vez que invejamos algo, alguém, nós apenas o queremos para nós, cada vez que alguém assalta ou rouba é porque não teve a oportunidade de ter por outros meios, cada vez que alguém mata perde um pedaço da própria vida...

Somos individualistas, egoístas por isso ficamos sozinhos, nosso governo nos faz lutar, nos chama de vagabundos quando não o fazemos, não dão água, um pouco de comida e querem ver sorrisos em nossos rostos, e nós damos, abrimos as portas para que quem vêm de fora venha e desfrute de nosso lar, nossa casa, nossa terra, em todos os sentidos, tanto do que ela possui quanto do nosso povo, nosso suor desce por nosso rosto nesta constante batalha onde no fim das contas ficamos sozinhos, desamparados, é uma trincheira, com sangue, mentiras, covardia e ilusões, ilusões os quais nos apegamos tanto mas ao ver pela mira da minha arma elas parecem desaparecer...

Minha mira passa por corpos de pessoas que caminham sem notar que já morreram, por pessoas que estão vivas e não sabem por quê, por inimigos que nem mesmo notaram, é uma competição, para ver quem é o melhor, quem têm mais, quem faz mais, uma luta pela sobrevivência onde de bom grado abandonamos nossa honra por um pedaço maior de pão ou uma taça mais generosa de vinho... Imundo.

Você sabe dizer porque sangra? É por tua vontade que vai a uma fila de hospital público ser mal atendido as pressas pois eles precisam de números? É por tua vontade que nossos filhos vão a escola onde nada aprendem? Onde nossas crianças armadas entram em batalhas contra o estado por drogas? Foi este mundo perfeito que imaginou na sua cidade maravilhosa? Você imaginou ver todos os políticos corruptos mortos, mas jamais desejou que fossem efetivamente honestos, desejou ladrões mortos, mas nunca lhes desejou uma educação e emprego em primeiro lugar. Excessões a parte de gente ruim por natureza.

Pela mira da minha arma vejo milhões inescrupulosos que engordam suas fortunas enquanto centenas de bilhões gastam seu suor pela sua merreca que garante sua sobrevivência, tão pouco que não permite uma vida honrada ou uma moradia descente e em seus rostos vejo o cansaço desta rotina infernal, semblantes pesados de gente que não consegue mais sorrir ou que esquece da própria desgraça mergulhando na alheia em um noticiário, se deleitando por não estar naquela situação e rogando a Deus por ter tanta sorte... Sorte de quê? Levantei de minha cama apontando minha arma para tantos lugares, vi tanta coisa, tanta gente, me forcei a ver de verdade pela mira de minha arma e por ela eu vi o coração de tantos, assim como a mente de tantos.

Gente que nem se imaginava observada caminhando calmamente em seus currais ou apressados em suas pseudo vidas, gente que mesmo na lama afundada sobre seguidos bombardeios vindos de nosso próprio seio pátrio que não roga mais por nós, por um Deus que parece virar para o lado para ver televisão em alguns momentos de nossas vidas e abandona por completo deixando que nós vejamos as atrocidades que o homem faz com ele mesmo e como cava a própria sepultura pulando dentro e carregando tantos consigo mesmo... Quantas vezes cada um já imaginou como seria a outra vida, o outro lado, quantos já não imaginamos a morte como uma possibilidade em algum momento de nossa existência? Ou a corrupção e fraude? Quantos jão não pensamos em vender nossas almas para ter uma visão melhor?

Eu digo sinceramente que os poucos que não notaram estão felizes pois não sentem falta da brisa quente pela manhã de Sol, não se acostumaram com o bom e logo o mal não têm ponto de referência, felizes aqueles que na sua ignorância podem se esconder sob o teto de sua falta de saber, pois este não cai quando bombardeado, sábio aquele que é burro e pode optar por passar despercebido aos olhares de todos, vivendo em graça com o próprio pouco, rindo da própria miséria ao acordar cedo sem comida e dormir com o estômago colado as costas, mas não saber o que é chorar por isto.

Inveja.

Eu volto a olhar pela mira da minha arma buscando os rostos e corações daqueles com quem acirradamente disputo meu lugar no alto e impiedosamente disparo contra aqueles que querem minha posição, pois sou egoísta e não abro mão do meu high ground onde posso analizar as coisas e relatar no meu caderno onde não existem linhas ou páginas, onde assimilo tudo e guardo ou exponho minha posição a meu bel prazer, não desejava compania, mas agora encontrei e mesmo que saibam que estou aqui eu me deixo estar, protegendo aqueles os quais minha munição pode guardar.

Eu me mantenho oculto, vendo o mundo passar no centro de quatro linhas, eu derramo sem dó o sangue daqueles que fazem sofrer ou chorar aqueles os quais jurei proteger, embora algumas vezes eu mesmo os tenha ferido de maneira colérica os quais o diabo sentiria um arrepio na espinha ao pensar. Mas eu escolhi ser eu e não aceitar e jurei a mim mesmo que meu sangue cairia por terra, mas antes disso mil cairiam aos meus pés antes de eu ver alguém por qual meu coração se envolveu se ferir...

Estamos em uma guerra onde alguns escolheram seu lado, mas a maioria é neutra e são apanhados no meio da troca de tiros, mas nossos líderes ainda contam as baixas civís como tristes casualidades. Embora eles mesmo não usem munição mais leve para o combate. Combate a quem pensa, oprimindo quem pode ter razão para que soberanos num mundo de burros eles possam comer em suas vastas mesas nos seus palácios junto de seus chegados a carne e o sangue do cidadão de bem, o que lhes entrega o mesmo sem nem ao menos notar que o faz...

Eu não estou chateado, eu fico chateado quando meu time perde, quando eu acerto uma pedra com meu dedinho, quando queimo minha comida... Eu não sei descrever o que esta visão me traz o sentimento é novo... E eu só queria que minha mira fosse mais longe para que eu pudesse mostrar para quem comanda esta festa que nós queremos participar também...

Eu não sinto pena, não tenho arrependimentos, eu estou apaixonado e eu sou feliz.

Não por ter algo a mais que ninguém, nem porque o mundo se despedaça enquanto eu tenho meu porto seguro e minha salvaguarda, eu estou feliz porque eu não me engano e por pior a adversidade tudo fora visto de frente... Não fecharei meus olhos para o mundo que está aí, pois quando o fizer ou estarei morto ou permitirei que tomem meu lugar.

Assim como uma rocha eu fico, escondido entre escombros, fuligem e poeira, ai de ti que ousar pisar em minhas terras ou tomar meu coração, pois jamais entregarei NADA que conquistei sem uma boa luta, ai daquele que me achar derrotado pois não consigo enxergar mais longe do que minha mira permite, pois tenho olhos em todos os lugares.

Coitado daquele que desistiu da luta pela própria vida, pois sem a paixão pelo próprio viver, já se tornou uma casualidade aceitável nos padrões daqueles que se dizem reis.
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Sem palavrões e/ou baixarias desta vez, eu apenas queria escrever uma história minha antiga e o fiz da melhor maneira possível, pois nunca antes passei esta idéia para o papel, ela é sim um reflexo daquilo que vemos no jornal. Mas ainda é uma revolta, é o fato de que a menina de 15 anos morreu em São Paulo e foi sim uma fatalidade, mas eu não vi 40 mil pessoas no enterro de cada pessoa que morreu de fome no Norte, se cada um inclusive o atirador infeliz e mentiroso que pôs um fim a vida dela, mentiroso pois jurou se matar junto e eu estou aguardando que o faça, cuidasse da própria vida de uma maneira HONESTA, se cada um parasse de olhar para o próprio UMBIGO e lembrasse que embora sera decrépta ainda vivemos em uma sociedade, todos viveriam melhor. Não sou um exemplo de nada, mas eu faço o meu, você têm certeza de que faz tudo que pode? Eu não, mas por hora não dá pra ir mais longe... Sabe como é... A mira não vai longe, mas eu vou mais para um posto avançado depois se isto se fizer necessário.

Estou de luto pela menina sim, mas não só por ela, estou de luto por cada cidadão de bem que tentou apenas viver sua vida e encontrou seu destino nas mãos de alguma infeliz crueldade do destino e nós que ficamos temos obrigação de lembrar, não de um caso ou outro, mas de todos que nossa mente puder suportar, para que daqui a alguns anos eu não considere criminoso o fato de alguém ter um filho, pois ter uma criança para colocar neste mundo de MERDA que vivemos é um ato de maldade sem proporções antes mensuradas.

Um abraço a todos.

Menos pra Taynar, pra ela é um beijo.

5 comentários:

Taynar disse...

Ahhh, nem sei por onde eu começo a comentar.
Vamos pelo texto. Excelente. Ou seja, és mesmo um escritor ótimo.
Ele tem um tom diferente da outra história, mas ainda assim imprime a tua marca.
Quanto à história da menina... Revolta é o mínimo, e nojo! Nojo dessa sociedade falida e centralista, que tá preocupada só com coisas que não fazem bem à tds, só à alguns. Quantos outros jovens como ela não morrem nessas pequenas guerras de todos os dias? E quantas são as pessoas que realmente se importam? Quem, daqui há uma semana, dois anos, ainda vai lembrar dela? Bem poucos, bem poucos. E isso é o pior!

Oba, beijo pra mim =DDDD

Beijo pra ti tbm, futuro esposo

mania disse...

que merda esta no desespero... auauauauauauau
quem não tem paz de espirito, não tem nada.

o que me vier à real gana disse...

Macabro, o retrato do k de ficcional só tem a tua imaginação (a hora, o dia; a Geografia… indefinidos)!... Retrato de excelência, por isso mesmo. Porque se confunde com tanta realidade que, felizmente, não vivi, mas da qual tenho ouvido muitos relatos na primeira pessoa, de senhores ex-combatentes no ultramar português (se fosse mais velho tb lá teria ido parar, àquela guerra sem sentido!); porque se confunde com “paletes” de imagens da realidade pelas TV’s difundida.
Por aqui ficaria o meu comentário se mais, em substância, não houvesse. Mas há… Tu não és um militar. Pertences a um pelotão, mas em tal não existem patentes; a tua luta não é por uma causa nobre – se calhar até é!... Como eu, não usas farda…, como eu, não és soldado… Julgas-te, neste ponto do “campeonato”, um negligente, um passivo, quando tens consciência de k todos podemos – devemos – ser seres actuantes…, incomodados e actuantes!... Sabes, no entanto, k és na verdade um soldado!
A clarividência que demonstras ao notar “pessoas k estão vivas e não sabem porquê”, pessoas k “caminham sem notar k já morreram” não é para todos. É essa faculdade k faz de ti um soldado… com patente. Tua arma-----» a escrita. Com ela combaterás os senhores da guerra; os … da droga; os “inescrupulosos”; a incultura e a invontade de ler (recrutando aqui novos soldados).
Cobardes são os k também vêem, mas calam…, calam e ficam de dedos parados.
Coitados dos neutrais!
A mira de quem escreve vai mais longe do que qualquer outra, leva é mais tempo.

Palavra de honra: bela parábola!

Abraço

Anônimo disse...

eu gotei! Vc escreve muito bem kkkkkkkkkkkkk

o que me vier à real gana disse...

Olá, boa tarde!

Gostaria do teu comentário no novo post do "real gana", pode ser?