segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Is there a hero somewhere?


Abrindo os olhos pela manhã, o sol entra pela venziana queimando os olhos que estão acostumados apenas com a noite, o corpo suado pela noite quente com apenas o ventilador emperrado para não assar de vez no quarto escuro de um hotel barato a beira de estrada. Será que meu pai tinha imaginado isto para mim quando eu era ainda um bebê no útero de minha mãe. Um suspiro corre pela garganta enchendo os pulmões com o ar fétido da vizinhança, caminhava com a calça jeans arrastando no chão molhado, mais uma goteira, olhava o teto nem ligava mais, acostumara a acordar pisando em poças, ia até a varanda coletiva saindo pela porta da frente, buscava no bolso um cigarro amassado que levava aos lábios, riscava com o fósforo de papel do motel de quinta categoria acendendo o veneno, talvez reduza minha vida, mas eu poderia morrer de mil formas, acho que não vingo o bastante para enfisema ou câncer. Sorte dos tolos que não imaginam como vão acabar um dia...

O fim do cigarro, fútil prazer de todas as manhãs ao olhar a estrada e os carros que passam de vez em nunca por lá, chovia uma garoa fina que fazia o calor da noite anterior subir num mormaço abafado que fazia o suor escorrer lentamente pelos cabelos, pela nuca, pelas costas... Voltava para dentro deixava a porta aberta para ver se amenizava o calor, abria a geladeira o cheiro de carne podre deixava o ambiente ainda mais insuportável, pegava uma cerveja, mais uma droga paleativa, abria a lata quente e bebia a longos e sedentos goles, fechava a galadeira para não espalhar mais o cheiro que nem mais o incomodava, ia ao banheiro, largando a lata sobre a pia, pegava a escova e a pasta, colocando lentamente sobre as cerdas, escovava os dentes cuidadosamente, o refrescante bucal passava depois tirando o bafo de ressaca da noite anterior e colorindo de vermelho o fundo da pia manchada.

Abria o chuveiro, a água esquentava e depois caía gelada, maldito boiler de hotel, pelo menos hoje é um dia quente, mesmo assim a água gelada caía como navalhas sobre a carne, molhando cicatrizes antigas e novas, no pequeno espelho no box olhava a barba por fazer, não se dava ao trabalho, o pequeno corte no lábio dava uma vaga lembrança da noite anterior, mas naa concreto, as drogas levam as memórias junto de muitas outras coisas... Fechava o chuveiro, passava a toalha no corpo e mesmo assim aquele cheiro permanecia, vestia a calça o par de sapatos de couro negro muito desbotado, saía nem trancava a porta, não se dava ao trabalho, as batidas de cama na parede acompanhavam os passos pesados rumo a garagem, descia a escada sob a chuva deslizando os dedos pelo corrimão, abria a garagem, fechando as próprias costas, olhava as ferramentas na parede, lama no chão, o Dodge Charger preto com manchas de ferrugem ali parado, imponente mesmo com a ação dos anos sobre ele.

Deslizava os dedos sobre o capô... Meu fiel companheiro, único que sempre está ao meu lado, abaixava próximo a rodo, apertando os cadarços do sapato, pçegava a camiseta preta sobre a mesa de ferramentas vestindo-a, saía caminhando, fechava a garagem novamente, ia até a banca de jornal, parando no bar para pegar o café com pão na chapa, vinha comendo pela rua, parando na banca, pegava os mesmos de sempre: obituários, classificados, policiais, pagava ao velho homem que sempre estava lá pelas manhãs... Voltava direto para a garagem, comia devagar terminava o café, já era quase meio dia, ainda faltava tanto para a noite cair, sentava no banco do carro, lendo o jornal, com a caneta vermelha marcando diversas coisas pelas páginas, pegava o guia rex, traçava caminhos por ele, o marca texto vermelho ainda funcionava mesmo falhando.

Terminando tudo subia, abria novamente a geladeira, pegava um macarrão que estava lá sabe Deus a quanto tempo, esquentava no microondas e comia, ligava a TV no canal de esportes, maldição, meu time perdeu de novo, já havia acostumado com a sensação, perda, parece que coisa que perdemos nos faz menos humanos, nos tira mais daquilo que sempre nos fez ser nós mesmos, o que sobra depois é algo perigoso, sombrio, que assusta a maioria, mas nós aprendemos a lidar com isto, rostos, formas, passos pela noite, passos que nos mantém acordados, vozes, sussurros de vozes conhecidas ou há muito esquecidas, a vodka, estava no sofá, abria a garrafa bebendo a longos goles que faziam um barulho familiar, outro cigarro, os dedos tremiam com cada "tic" do relógio, a agonia da espera, angústia, era como cortar a propria carne em desespero esperando o que ainda está por vir.

Os olhos fechavam com o cigarro no cinzeiro e a bebida fazendo efeito no sangue, um cochilo, não, dormira mais, os olhos se abrem na penumbra da noite, a hora certa, a lua pálida iluminava o pátio molhado pela chuva que aínda caía fazendo um reflexo, levantava indo ao banheiro lavar o rosto, olhando no espelho quebrado que refletia meu rosto como ele realmente era...

A garagem abria, ninguém ficava lá fora a esta hora, entrava no carro afobado como uma criança com a promessa de ir ao parque de diversões, dava um soco abrindo o porta luvas... Olhava o banco de trás rasgado por um acidente nas primeiras vezes, o cheiro de sangue velho agora enebriava as minhas narinas, ele havia passado despercebido pelo cheiro de terra molhada de hoje cedo, mordia o lábio, a pistola carregada ia no banco de carona, a motoserra ainda tinha pedaços de carne, ossos, sangue a desenhava como uma macabra camuflagem sob a umbra, fita adesiva, plástico, chave de roda, tudo no seu devido lugar...

Saía da garagem que se fechava sozinha, a máscara de hóquei com marcas ce cortes, pancadas, sangue, era o reflexo no espelho trincado, era meu rosto de verdade, era o monstro, era quem eu precisava ser para ser eu mesmo, a lista pronta, assassinos, estupradores, assaltantes e traficantes, todos eles para encontrar seu julgamento final o anjo da morte. Ele não era bonito, não era simpático, haviam muitos alvos, mais que o normal... Segurem-se todos nas poltronas... Esta vai ser uma noite para ficar na história...

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As vozes na minha cabeça resolveram voltar a falar, é assim que elas se comunicam, a ferro e fogo expondo os pesadelos nos quais naquele minuto somos nós mesmos, o último ponto de sinceridade.

Frase do dia: "Eu não sei quanto aos anjos, mas é o medo que dá asas aos homens."

Hoje é segunda feira, não estou chateado, nada, apenas um dia estranho. Apenas uma outra história que vai continuar, imprimindo como eu me sinto em relação a muitas coisas do nosso dia a dia.

Sem mais.

5 comentários:

Taynar disse...

Teu dia tá igual ao meu.
Suspenso.

E tu tenho uma prova pra mais tarde e não consigo me concentrar.
Que merda =/

Beijos

Taynar disse...

Um nevoeiro.
É assim comigo.
Queria ir pra alguma lugar, só pra sentar e ler meu livro, acho que isso eu conseguiria. Mas ainda não consegui pensar em que lugar.

Foi bom, muito trabalho só.
E o teu?

Beijos

Taynar disse...

Vai ver estamos num daqueles filmes trash tipo calsse C, em preto e branco.
Se bem que não me sinto como uma daquelas mocinhas non-sense.

Taynar disse...

Donzela Noir Nem tão Em Perigo Assim.

Gostei disso. E parabéns, conseguiste arrancar o primeiro sorriso da minha cara de parede de hoje.

Taynar disse...

Eu prefiro cimitarras.
Sabe lá Deus pq.

É, cinza e vermelho ficam banca. Vide Sin city, né