quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A fork in the highway to hell


A chuva ficou as minhas costas, estava na soleira da porta quando apertava a campainha, pegava o serrote olhando fixamente no olho mágico, o som de risos lá dentro, o olho escurecia, alguém estava atrás dela, senhoras e senhores apertem os cintos e preparem-se para a decolagem. A bota batia contra a porta arrebentando o trinco jogando estilhaços de madeira para todos os lados, os risos viravam gritos ao verem saído da noite e da chuva o demônio em carne e osso, a chuva se misturava ao suor e nesta hora a adrenalina subia que eu podia ouvir meu coração bater. Então entrava o primeiro passo deixava uma pegada imunda no chão da sala passando pela porta que caiu, os olhos perscrutavam os presentes, ali, a vítima, teria que ser brutal, violento, assim os outros fugiriam, não seriam perseguidos, os olhos castanhos do homem por outro lado nem mesmo me notavam, ele olhava o chão estático, o quê poderia deixar um homem com mais medo do quê o gigante fantasiado de personagem de filme de terror.

A curiosidade me possuía naquele breve instante e a cena... Houston, preparem-se todos o avião vai cair... A visão foi como um tiro, as batidas aceleradas se tornaram um chiado estridente anunciando a parada cardíaca, quem atendera a porta era a esposa dele, com um bebê nas mãos, tinha sangue, ela estava desacordada, num movimento brusco abaixava pegando o bebê erguia ele no braço, os olhos do homem acompanhavam cada movimento o bebê estava acordado, olhos bem abertos, a mãe tinha sido atingida, ele não, respiraria aliviado se pudesse, colocava o serrote como se ameaçasse o bebê, mas na verdade a serra estava apoiada em meu braço, me rasgaria antes de arriscar machucar um inocente novamente.

- Ninguém se mexe, todos sentados, eu estou tingindo a noite de sangue e vou fazer com o de todos vocês se me provocarem...

Mais um blefe.

- Você! Pra fora!

Saía e o homem acompanhava sem pestanejar com os olhos nos dentes da serra.

- Você trouxe isto até você, eu vou deixar todos em paz e levar apenas a sua vida. Eu sou o anjo da morte e da retribuição que veio aqui hoje para te fazer pagar por teus pecados, tua medicina levou a vida de paciêntes que acreditaram em você...

Subitamente um rosnar revoltado vinha de onde eu não esperaria, o homem ousaria me enfrentar, seria ele louco ou algo assim, eu estava disposto até a não usar as ferramentas e dar uma morte limpa.

- Então ande logo com isso e termine com minha vida, mas não machuque meu filho... Senhor anjo da morte, dono da verdade e juíz que dá a sentença, mas antes de ir escute bem as minhas palavras pois elas vão te assombrar até o fim dos teus dias.

Tolo imbecil, eu poderia esmagá-lo com uma mão apenas e ele ainda ousa me desafiar... Tudo bem senhor sabe tudo, eu machuquei seu filho, dê seu melhor golpe para retribuir o favor.

- As pessoas que eu ajudei estavam morrendo, ou com risco de amputação, eu dei uma chance a elas, eu roubei orgãos sim, eu transplantei nas pessoas mas não é como os jornais dizem, eu não ganhei nada com isso... Sabe quanto tempo uma pessoa sem dinheiro fica em uma fila esperando um transplante, acha que o senhor que faleceu preferia perder suas pernas ou arriscar uma vida normal, ele pegou câncer de um transplante mal sucedido e eu NÃO ESTOU COMEMORANDO, só eu sei como está minha consciência, nem minha família sabe, eu fiz outros, eu salvei vidas, foda-se se foi ilegal, eu dei uma chance coisa que seu mundo não faz... É fácil, eu acompanho você no jornal, você enfrenta pessoas e as destroça como se fosse papel, eu vejo seu tamanho, não é difícil, mas não me assusta, me assusta você tentar machucar minha família, vai me fazer um favor em me tirar daqui assim não vou sonhar toda noite com o que pôde dar errado, eu fiz um juramento como médico de salvar vidas... Eu fiz da melhor forma que pude e eu sei pelo que disse que você está tentando fazer o mesmo, mas ser um animal não é justificado e se esconder atrás desta máscara não faz de você mais homem que ninguém...

O homem caía de joelhos fechando os olhos.

- Apenas acabe com isso e deixe minha família em paz.

Esta é a parte onde eu não faço idéia do que acabou de acontecer... É quando eu levei sim uma surra, acabo de ser humilhado em meu próprio território, acabo de ser despedaçado por palavras, sobrou pouco de mim pelo chão. Meus braços estão fracos, minha cabeça gira, meu coração congelado, engolia a seco como se o punhal tivesse atravessado meu pulmão. Erguia a mão até meu rosto, tirando a máscara, as cinzas e fuligem cobriam meu rosto com sangue e suor, era uma camuflagem bizarra, passava o braço no rosto, limpando a sujeira.

- Coloque seus braços para frente.

O homem abria os olhos surpreso, meu rosto tinha a estampa do inferno, mas as minhas lágrimas escorriam sem parar e nem a chuva disfarçava mais, caía sobre meus joelhos diante daquele homem que agora era gigante, ele era um herói, sem máscaras, sem armas, eu era apenas um escoteiro se chegasse a tanto, curvava o corpo colocando o bebê sobre os braços dele.

Nesta hora um jovem rapaz de vigor e boa índole têm a idéia do ano, acerte o homem enorme com a cadeira de madeira, a cadeira se arrebenta e meu não preparo para aquilo fazia meu corpo cambalear, ir para frente, o serrote na direção do bebê, meu corpo ficava junto ao do homem e o sangue corria livre pelo chão, ele gritou, não queria acreditar, era a segunda vez que perdia o bebê.

- Avise ao seu amigo da cadeira, que eu vou quebrar os braços dele se ele não correr agora.

O homem olhava incrédulo, o serrote tinha atravessado boa parte de meu braço e meu sangue cobria a ele e a criança que me olhava com um sorriso enorme e sem dentes, um sorriso que me desarmava enquanto tirava a arma do meu braço, o garoto corria para dentro da casa enquanto o homem gritava e gesticulava para ele sair, eu não ouvia nada, tudo parecia em câmera lenta, levantava a ferida doía, mas só havia ali um ruído, o som da gargalhada daquela criança e eu como um garoto frente a uma pessoa que se importava... A máscara voltava para o rosto, o serrote preso ao cinto, saía apertando meu ante-braço.

- Eu não sou um animal. Não somos tão diferentes. Obrigado por me lembrar disso.

A dor te conserta, te revigora, te coloca no eixo, estávamos quites agora, talvez não nos veríamos novamente, mas não importava, ele nunca me esqueceria o sangue estava ali para lembrar disso, entrava no carro saindo, ainda haviam outros alvos, nenhum deles escaparia do que viria como ele escapou, a motoserra ainda estava desligada esperando o último alvo da noite, a chuva caía devagar para Deus me lembrar que estava me olhando ainda mesmo apesar de tudo.

Ele têm formas estranhas de nos colocar de volta no caminho certo.
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Frase: "O problema de querer algo é o medo de perder ou nunca chegar a ter. A idéia te enfraquece"

Espero que quem ler isso entenda mais sobre nosso vigilante, bom dia a todos.

Um comentário:

Taynar disse...

Eu gostei. Sério.
Mas não sei, o de ontem me cativou mais.
Me lembrei de uma cena do Demolidor [eu gosto do filme, que se pode fazer?], que o DareDevil diz: 'I'm not the bad guy, I'm not'

Desculpa, não deu pra comentar mais cedo, muito trabalho por aqui. Nem deu tempo de ajeitar o nosso texto tbm.
Conversamos mais tarde.
Beijos